O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Wagner Vilas Boas de Souza, anunciou, em debate na Câmara dos Deputados, que o MEC vai formular um plano para expansão do ensino a distância (EAD) nas universidades públicas. Para concretizar o planejamento, será preciso aprovar um novo marco regulatório. Ele participou de audiência pública na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.
Segundo o secretário, esse plano está em fase final de elaboração. O objetivo é cumprir a meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE). “A Secretaria de Educação Superior está trabalhando num plano para a expansão da educação a distância nas universidades federais, porque nós temos a meta 12 do PNE, que nos impõe a obrigação de expandir a educação superior para 50% dos alunos com idade de 18 a 24 anos”, disse.
A taxa atual é de 37,4%, de acordo com dados do Censo Nacional da Educação Superior de 2019. O secretário ressaltou que o número de matriculados no ensino médio está caindo, assim como o número de estudantes que participam do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) desde 2016 – dificultando o cumprimento da meta.
Privado e a distância
Ele chamou a atenção ainda para a concentração de estudantes no ensino superior privado, sendo que a meta do PNE prevê que, pelo menos, 40% das novas matrículas no ensino superior ocorram no segmento público.
Das cerca de 8,6 milhões de matrículas no ensino superior hoje, 6,5 milhões estão no setor privado e apenas cerca de 2 milhões são em universidades públicas.
Ainda conforme o secretário, “desde 2014, o número de ingressos no presencial está diminuindo, e desde 2016, o número de ingressos na educação a distância está aumentando”. Em 2019, no ensino superior privado, 44% dos ingressos foram no EAD; já no setor público 5,8% dos ingressos foram no ensino a distância.
Os números do censo da educação superior de 2019 são anteriores à pandemia de Covid-19 e, para Wagner Vilas Boas, revelam uma tendência no ensino, e o MEC tem que se adaptar às mudanças.
O secretário informou que no ano passado o MEC encomendou três estudos, que em breve serão disponibilizados para a sociedade: um sobre o cenário internacional; um panorama do EAD no País; e um com os desafios para a expansão do ensino a distância no Brasil.
Qualidade dos cursos
A presidente da comissão, deputada Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), disse que o EAD é uma oportunidade de quebrar paradigmas, mas que o MEC precisa garantir o acompanhamento e monitoramento dos cursos credenciados, para que não haja perda de qualidade, como é visto em muitos casos.
Diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), Diego Carlos ressaltou que já é permitida a oferta de disciplinas de forma virtual e muitas foram precarizadas no processo, com superlotação de turmas e demissão de professores em massa.
“Por muito tempo o ensino a distância foi utilizado e ainda é por algumas instituições como forma aumentar o lucro em cima do processo educacional sem oferecer qualidade de ensino”, disse. “As tecnologias devem servir para ampliar o acesso à educação, mas não se pode dar pelo sucateamento das universidades”, completou, defendendo atividades continuadas nos laboratórios, bibliotecas e outros espaços de convivência.
“O ensino a distância possui um caráter peculiar, que é o acesso à internet, que muitos estudantes não possuem”, acrescentou Diego Carlos. Para ele, durante a pandemia, o acesso desigual foi evidente.
Taxa de evasão
Membro do Conselho Nacional de Educação (CNE/MEC), Luiz Roberto Curi chamou atenção para o alto grau de desistência no EAD, que é de 63%, segundo o Censo de 2019. O dado é semelhante à evasão no ensino presencial, que é de 59%. Segundo ele, com um grau de evasão desses, o Brasil não vai atingir a meta do PNE.
Na opinião de Curi, a evasão ocorre sobretudo por conta do currículo. “A evasão diz respeito à necessidade de se articular o aprendizado e manter o interesse do estudante ao conteúdo aprendido, vinculado às suas competências de forma que ele preveja, que ele consiga vislumbrar na graduação seu futuro, seu espaço de atuação profissional”, afirmou.
Conforme o especialista, o ensino a distância não pode ser repetição ainda mais conservadora do ensino presencial, também excessivamente conteudista. “É importante que o EAD não seja o empacotamento em aulas convencionais fixadas em conteúdos”, enfatizou. Para ele, o EAD tem que inovar, trazendo perspectivas mais vivas e criativas, envolvendo a formulação de novas pedagogias ao aprendizado. Ainda segundo Curi, a educação a distância pode ampliar o papel do professor no ensino, e não reduzir.
De acordo com o representante do CNE, o aprendizado presencial também pode ser mediado por tecnologia, e deve haver distância cada vez menor entre os tipos de aprendizado (EAD e presencial). Segundo ele, a fragmentação entre ensino presencial e ensino a distância é estimulada pelo processo regulatório avaliativo, já que o EAD é avaliado em separado do presencial.
Técnicas de aprendizagem
Para o vice-reitor da PUC-Paraná, que representou na audiência o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, Vidal Martins, é possível proporcionar aprendizado de alta qualidade mediado por tecnologia, mas é preciso mudar as estratégias.
Também na visão dele, é necessário eliminar a separação entre EAD e presencial, e escolher estratégias e técnicas de aprendizagem de acordo com a competência que se deseja desenvolver no aluno.
Ele ressaltou que não há aprendizado se não há engajamento do estudante e que a tecnologia não limita esse engajamento e pode inclusive aumentá-lo, levando em conta o engajamento dos alunos em redes sociais. Para ele, a criação de comunidades de interação seria essencial nesse sentido. Ele defendeu ainda investimento na formação docente para desenvolver as habilidades do professor para o ensino mediado por tecnologia.
Cursos na área de saúde
A presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares, Elizabeth Guedes, destacou que, por enquanto, a entidade não apoia cursos 100% digitais em nenhuma área, mas defende atividades apoiadas em tecnologia inclusive na área da saúde – por exemplo, com uso de modelos anatômicos, em vez de cadáveres, por exemplo.
Ela frisou que, nesses cursos, são obrigatórias 10% de atividades de extensão presencial. “É importante que essa Casa apoie a modernização da educação no Brasil”, defendeu. Para ela, impedir o EAD e impedir que a tecnologia seja usada é desligar o ensino superior da realidade e condenar os alunos ao atraso. Ela lembrou ainda que muitos alunos trabalham e estudam ao mesmo tempo, e a educação a distância ajuda muito esses alunos.
Diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, Celso Niskier, defende a possibilidade de aulas remotas até 2022 ou enquanto durarem as restrições decorrentes do enfrentamento da pandemia e, mesmo depois, a concessão de credenciamento temporário para as instituições de ensino superior que adaptaram sua oferta durante a pandemia, permitindo inclusive a abertura de novos polos de ensino a distância.