O projeto de extensão Clínica de Direitos Fundamentais e Transparência (CDFT), do curso de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), atuou junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) na 1ª condenação internacional do Brasil por não cumprir o devido papel na punição de um crime de feminicídio.
A condenação do país diz respeito ao feminicídio da paraibana Márcia Barbosa, de 20 anos, assassinada em 17 de junho de 1998 pelo (na época), deputado estadual da Paraíba Aércio Pereira de Lima. A sentença de 7 de setembro de 2021 afirma que a imunidade parlamentar vigente no país provocou um grave atraso no processo, que resultou na violação dos direitos e das garantias judiciais e dos princípios de igualdade e de não discriminação em prejuízo do pai e da mãe da vítima. O acusado do crime só foi condenado em 2007, 9 anos depois. Aércio morreu 1 ano depois.
Atuação da UFJF
O projeto de extensão Clínica de Direitos Fundamentais e Transparência (CDFT), do curso de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), atuou junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) na 1ª condenação internacional do Brasil por não cumprir o devido papel na punição de crime de feminicídio.
O grupo extensionista elaborou, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o memorial que auxiliou e fundamentou a decisão histórica da Corte IDH.
A Clínica de Direitos Fundamentais e Transparência atua desde 2018 na faculdade de Direito da UFJF. O projeto “Núcleo Interamericano de Direitos Humanos”, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por meio dos professores Siddharta Legale e Raisa Ribeiro, atuou junto com a UFJF na elaboração do memorial.
“Nossa participação se deu como “amicus curiae”, ou seja, “amigos da corte”. Somos muito gratos pela parceria. Coube a nós, da UFJF, elaborar, para compor o memorial, um capítulo sobre as imunidades materiais e formais de parlamentares no Brasil. A função do memorial é auxiliar os juízes da Corte Interamericana de Direitos Humanos a julgarem o caso. Ele é um memorial opinativo e entregue a todos os juízes, e os juízes podem usar ou não na decisão. A boa notícia é que o nosso trabalho foi muito utilizado nesse caso, convenceu e foi, portanto, fundamental na decisão final que condenou o Brasil por omissão”, explicou o professor.
Todo o trabalho de elaboração do memorial, feito por muitas mãos, gerou o livro “Feminicídio e Imunidades Parlamentares: uma análise do caso Márcia Barbosa versus Brasil na Corte IDH”.
Condenação do Brasil
O Brasil foi condenado internacionalmente pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo caso do feminicídio da paraibana Márcia Barbosa, de 20 anos, assassinada em 17 de junho de 1998 pelo então deputado estadual da Paraíba Aércio Pereira de Lima. A sentença de 7 de setembro de 2021 afirma que a imunidade parlamentar vigente no país provocou um grave atraso no processo, que resultou na violação dos direitos e das garantias judiciais e dos princípios de igualdade e de não discriminação em prejuízo do pai e da mãe da vítima.
Na condenação inédita, ocorrida em setembro, o Brasil foi considerado culpado por não investigar e julgar com perspectiva de gênero o “Caso Márcia Barbosa”, pela utilização de estereótipos negativos em relação à vítima e pela aplicação indevida da imunidade parlamentar.
O crime ocorreu em 1998, em João Pessoa (PB). Márcia foi assassinada pelo então deputado estadual Aércio Pereira de Lima, que só foi condenado por feminicídio nove anos depois, em 2007.
Na sentença, a Corte Interamericana solicitou, ainda, que o Brasil crie um sistema de coleta de dados sobre violências contra a mulher; promova treinamentos para as forças policiais e membros da Justiça; estabeleça um dia de reflexão e conscientização à Assembleia Legislativa da Paraíba sobre o impacto do feminicídio; além de outros pareceres.
As investigações do crime apontaram Aércio Pereira de Lima como principal suspeito do assassinato. O processo contra ele, no entanto, só pode ser iniciado em março de 2003, quase cinco anos após a morte de Márcia Barbosa, quando não foi reeleito parlamentar.
Enquanto durou o mandato de deputado, para que o processo fosse iniciado, era preciso que a Assembleia Legislativa levantasse a imunidade parlamentar, o que não foi feito. Ele só foi condenado pelo crime em 2007 e morreu menos de ano depois da condenação.
A Corte verificou também que nos procedimentos de investigação e julgamento existiu uma intenção de desvalorizar a vítima, dando demasiada ênfase à sexualidade de Márcia Barbosa, provocando a construção de uma imagem da vítima como culpada ou merecedora do ocorrido, desviando o foco das investigações, por meio de estereótipos.
Sentença
Dentre as determinações da sentença, está uma indenização à família de Márcia Barbosa pelo dano material e imaterial. A sentença estabelece parâmetros para que a aplicação da imunidade parlamentar formal seja feita de acordo com a Convenção Americana, como seguir um procedimento célere, com previsão legal e regras claras, cumprir as garantias do devido processo e incluir um teste de proporcionalidade estrito que leve em consideração a gravidade da acusação. Desse modo, o resultado representou uma oportunidade para a Corte criar jurisprudência para toda a região com relação à imunidade parlamentar e seus aspectos procedimentais.
Como forma de reparação pelas violações cometidas, a Corte determinou, para além de medidas individuais voltadas aos familiares de Márcia, medidas de não repetição, que têm como objetivo evitar que fatos semelhantes ocorram no futuro. Destacam-se a determinação de que o Brasil elabore um sistema nacional de recopilação de dados sobre a violência contra a mulher, com informações detalhadas sobre o perfil das vítimas, e a implementação de um plano de capacitação, com perspectiva de gênero e raça, para funcionários que atuam em investigações; e, ainda, que crie um protocolo nacional com diretrizes para a investigação de crimes de feminicídio.
A sentença também estipula que seja publicado um resumo oficial da Sentença elaborado pela Corte, por uma única vez, no Diário Oficial, bem como nas páginas web da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba e do Poder Judiciário da Paraíba e em outro jornal de ampla circulação nacional, com um tamanho de letra legível e adequado.
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